As Regras de Ouro do RPG

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Eu sei, eu sei. Parece um tanto pretensioso supor que eu possa elaborar, sozinho, regras que todos os RPGistas devam seguir. Como minha intenção não é parecer pretensioso (não desta vez), vou explicar o motivo desta lista.


Para começar, essas regras, como tudo o que eu escrevo, são formadas por opiniões pessoais. Neste caso,  a ideia surgiu porque estou planejando mestrar, em um futuro próximo, uma campanha de O Um Anel (RPG que, como o nome sugere, tem como cenário a Terra-Média). Cansado de problemas causados por mau comportamento dos jogadores ou por divergências em relação à maneira como as aventuras deveriam ser conduzidas, eu decidi colocar por escrito o que eu exijo de quem vá jogar comigo.



Para jogar comigo, tem que seguir essas regras. Não pense nisso como uma forma de impor minha visão sobre os outros. Mas o Mestre é o jogador que tem mais trabalho, mesmo antes de começar propriamente a sessão. E não há nada mais frustrante que ver todo o seu trabalho ser jogado no lixo por jogadores briguentos, infantis, desanimados ou implicantes.
Assim sendo, considere essas regras como mera orientação. Adapte-as, mude o que discordar. O importante é que todos os jogadores se comprometam a gerar uma experiência divertida.



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1. Todos os jogadores devem estar perfeitamente interessados, focados e empolgados na hora de jogar. Nada de ficar calado durante a sessão inteira e só “ir com a multidão”; nada de desempenhar tarefas paralelas durante o jogo, nada de só falar “Eu ataco com minha espada” no seu turno de combate. Tem que ter boa vontade e ser participativo.



2. A autoridade do Mestre deve ser respeitada. Caso discorde de uma decisão específica, o jogador pode pedir explicação e apresentar argumentos, mas o Mestre dá a palavra final. Também não vale ficar emburrado e intransigente porque sua discordância foi ouvida e posta de lado; lembre-se de que isso é só um jogo, e o Mestre nunca visa o mal de um jogador de propósito. Adapte-se ao rumo que as coisas tomaram, mesmo que ele não se encaixe no que você planejou. É até mais divertido assim.



3. Nada de brigas ou inimizades entre jogadores. Os personagens podem discutir (se estiver de acordo com a personalidade de ambos e os acontecimentos da aventura), mas os jogadores jamais.



4. Se seu personagem abre a boca, é você quem fala. Nada de “Meu personagem perguntou qual é o nome da vaca cor-de-abóbora do rei.” Incorpore o seu personagem e pergunte, com as palavras que você acha que ele usaria. “Ah, mas eu não sou ator, não sei interpretar bem.” Isto aqui não é um curso de teatro. Nem uma audição para um filme. As únicas coisas exigidas são boa vontade e empolgação. Se você atuar mal, tudo bem; não vai ficar para recuperação no final do bimestre.



5. Se seu personagem realiza uma ação, você a descreve em detalhes. Detalhes em tom literário, não detalhes de medida, peso ou distância. As coisas podem ficar na escala do “Meia dúzia de passos” ou “Do tamanho de um palmo.” Use as rolagens de dados (quando houverem) como uma orientação geral de quão bem (ou mal) você se saiu na tarefa, e acrescente detalhes que você acha que enriqueceram sua narrativa. “Ah, mas eu não sou tão bom assim em narrar as coisas.” Assim como no exemplo anterior, o que vale é empolgação e boa vontade. Não exijo (obviamente) que ninguém improvise descrições dignas de um livro.



6. Não seja inconsequente. Por um lado, o RPG é só um jogo. Por outro, os personagens não sabem disso. Nada de sair fazendo merda só porque “tanto faz, o personagem não existe mesmo”. Não grite com reis, não arranque a cabeça de pobres mercadores, não estupre donzelas em perigo, não roube só porque não vai ser capturado, não carregue crânios na cintura e, de modo geral, não maltrate os NPCs sem motivo. A menos que você esteja jogando um RPG de Jackass...



7. Não seja incongruente. Seu personagem tem uma personalidade. Trate de fazer uma bem detalhada, incluindo motivações, opiniões gerais, maneirismos, hobbies e gostos pessoais. Depois, atenha suas ações a esta personalidade, mesmo que isso coloque seu personagem em apuros. Claro que, se seu personagem for especialmente dissimulado, ele pode esconder suas reais motivações durante uma interação social.



8. Seu personagem não é um robô. Ele não deve apenas andar até o objetivo em silêncio, matar monstros, recolher o tesouro e descansar. Se você se deu ao trabalho de elaborar uma personalidade detalhada para ele (acho bom que tenha elaborado), ponha-a em ação, oras! Faça-o conversar com os demais personagens e desempenhar hobbies ou tarefas paralelas à aventura. Uma vez, um grupo com o qual eu jogava começou uma campanha com personagens recém-criados e que não se conheciam. Quando o futuro grupo se reuniu pela primeira vez (em uma taverna, claro) o Mestre propôs que jogássemos um pouco de baralho, incorporando nossos personagens. Além de bastante divertido, cada um já saiu para a aventura com uma primeira impressão dos demais personagens, como aconteceria em uma situação real.



9. Não seja um livro aberto. Seu personagem não tem um perfil no facebook. Portanto os outros personagens não sabem tudo sobre sua vida, seu passado e suas habilidades. A princípio, não deixe que os outros jogadores leiam seu background e sua ficha. No entanto, os personagens atuarão juntos como um grupo e desenvolverão um companheirismo. Assim sendo, use o background como parte do jogo: incorpore seu personagem e pergunte aos outros de onde eles vêm, o que eles fazem e do que eles gostam. Isso pode render conversas e interações muito legais, se todos estiverem bastante sincronizados com seus personagens.



10. Vamos jogar sério. Humor é sempre algo bem vindo. Mas um pouco de foco também não faz mal a ninguém. Se seu personagem tiver bom-humor (um hobbit, provavelmente), permita que ele faça piadas com as situações. Se ele for mal-humorado (um anão, provavelmente), as próprias ações sérias dele podem ser engraçadas e motivo de chacota dos outros personagens. Mas evite piadas fora do jogo, e off-topic de modo geral. E por favor, DE JEITO NENHUM tome uma decisão estúpida ou que contrarie seu personagem só porque você queria “dar uma zuada”. Acredite, nós podemos nos divertir sem transformar a aventura numa palhaçada.



11. Aventuras são algo planejado. Essa é complicada. Há jogadores que querem simplesmente sair andando “por aí”, e querem que o Mestre vá improvisando o que eles encontram como se ele fosse um Gerador Aleatório de Mundo. Isso sempre (tudo bem, podem haver raras exceções) tem como resultado uma aventura simplória e vazia; uma sequência de Encontros Aleatórios e tesouros genéricos sem uma trama que costure os eventos.
Vamos ser um pouco realistas: você não deixa o conforto da sua toca-hobbit e parte em uma jornada cansativa e cheia de perigos mortais só pra andar em “qualquer direção, tanto faz” (é triste, mas já ouvi isso numa mesa de RPG) e ver o que tem no caminho. Não senhor; antes de dar adeus aos elfos de Valfenda, o grupo (de aventureiros, não de jogadores) se reúne, define um objetivo e traça uma rota no mapa (que eles esperam conseguir seguir sem se perder). Nesta pequena reunião (que acontece durante a Fase em Sociedade) cada jogador tem que incorporar seu personagem e usar as palavras dele no debate. Em geral, cada personagem tentará usar seus próprios conhecimentos e opiniões pessoais para interferir no objetivo da aventura e no caminho a ser tomado (“- Vamos descer até o Desfiladeiro de Rohan. São boa gente, os homens da Terra dos Cavaleiros, e amigos de meu povo.” “- Eu digo que estamos tomando o caminho mais longo! Podemos atravessar as montanhas através de Moria; meu primo Balin nos receberia como reis!” Quem se lembra dessas falas?).
Obs: A princípio, as aventuras serão planejadas pelo Mestre. Isso dá aos jogadores a chance de se habituar ao sistema, ao mundo e uns aos outros. Depois que eles visitarem alguns lugares, estabelecerem contatos e amizades com NPCs e começarem a receber notícias de toda a parte, os personagens podem definir os próprios objetivos e jornadas (durante uma Fase em Sociedade). O Mestre então planeja a aventura com base nisso.
Obs2: Uma vez que os personagens decidem seu objetivo e a aventura é planejada, eles devem se ater a ela. “Ah, a gente tava indo para o Sul para entrar na Floresta e encontrar um artefato roubado dos elfos, mas agora decidimos virar pra direção Norte pra ir caçar orcs nas montanhas.” Então a sessão acaba por aqui, eu vou replanejar a aventura e a gente continua na próxima.



12. Atenha-se ao espírito da campanha. Todo cenário (bom, pelo menos) tem um “espírito”, um feeling intrínseco a ele. Ele está relacionado ao ritmo em que a história se move, à forma como os personagens agem, como funciona a magia, como as coisas são narradas. É difícil explicar, mas fácil de perceber ao ler um livro ou assistir um filme. O Mestre deve deixar bem claro o espírito que ele quer para a campanha, e os jogadores devem segui-lo em todas as ocasiões.
Obs: Escolher o nome do seu personagem faz parte do espírito do jogo. Use nomes que se encaixem na raça e na cultura de seu aventureiro, sempre com a orientação e aprovação do Mestre. Nomes “de zuação” estão TERMINANTEMENTE PROIBIDOS.

Crawlers! #1 - A Torre de Lama

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          Recapitulando... Há algum tempo anunciei meu projeto de escrever uma série de contos em ambientação medieval fantástica/RPGística. A sinopse da série em si pode ser encontrada aqui.

          A poucos dias postei a sinopse do primeiro conto ou aventura. Mais precisamente, aqui.
          Por fim, aqui está o primeiro episódio. Não há motivos para enrolar mais, apenas leiam uma pequena prévia e depois baixem o PDF com o conto completo.



Dia zero – Noite – Taverna na cidade portuária de Avisle

         A porta da taverna se abriu, deixando entrar o ar noturno, e um grupo de quatro pessoas cruzou a soleira. Não portavam armas, armaduras ou quaisquer objetos suspeitos, mas um observador mais experiente logo notaria, pelas vestimentas e hábitos estranhos, que se tratava de um grupo de aventureiros. 
         O primeiro a entrar (Jimhold, o guerreiro) era um jovem adulto por volta de seus vinte e dois anos, forte e de estatura mediana, com cabelos curtos e escuros e uma barba rala. Era seguido por outro homem (Azmuth, o mago), mais alto e um pouco acima do peso, com idade próxima à do primeiro e que lia um livro compenetradamente enquanto andava. Logo atrás, uma moça mais jovem, pouco mais que uma adolescente (Draenis, a clériga), baixa, magra, cabelos curtos e vestindo uma roupa talvez comportada demais para tal ambiente. Fechando a fila, um rapaz quase adolescente (Lael, o bardo ladino), baixo, magrelo e muito branco, vestido elegantemente e carregando um alaúde. 
         A taverna em si era um local bem calculado. Não era das mais baratas - onde é impossível passar uma noite sem se envolver em alguma confusão - nem das mais caras - onde o silêncio é muito grande e os funcionários mantêm-se sempre de ouvidos em pé. Era um estabelecimento mediano, destes onde um grupo pode passar a noite inteira sem ser incomodado, ao mesmo tempo em que há barulho o suficiente para manter sua conversa privada. Em suma, um local frequentemente escolhido por aventureiros para planejar suas viagens. Existe um motivo para a maioria das aventuras começarem em uma taverna...      
         Em meio à música, cantoria e conversas em voz alta, o guerreiro e líder do grupo identificou, sentado sozinho em um canto, quem estava procurando. Uma misteriosa figura encapuzada; um mago que supostamente possuía uma missão ou aventura (termo usual no ramo) para oferecer-lhes. Os aventureiros sentaram-se à mesa com o possível empregador e teve início a negociação.


          A periodicidade da série ainda não foi totalmente definida, mas a publicação de cada conto flutua em um intervalo entre uma ou duas semanas, não mais (ou menos) que isso.
          Leiam, aproveitem e aguardem por mais.

Sinopse do primeiro episódio de Crawlers!

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          Sem qualquer enrolação, segue uma rápida sinopse do primeiro conto (ou episódio) da minha série, Crawlers!


          Uma terrível praga assola uma região da floresta de Wintstohr. As árvores murcham, os animais morrem sem causa aparente e o Povo da Floresta não ousa mais se aproximar do local. Ao mesmo tempo, um grupo enorme de humanóides reptilianos desce de seu lar nas montanhas e se instala na mata, começando uma onda de ataques aos vilarejos humanos próximos. Qual a terrível conexão entre esses eventos? Poderia a resposta envolver as antigas lendas do Povo da Floresta, a respeito de uma torre que foi destruída há muitos séculos atrás? E por que motivos ocultos um mago oferece ao nosso grupo de aventureiros uma grande quantidade de ouro para que eles investiguem isso?
         Todas essas respostas no primeiro episódio de... Crawlers!

Projeto: Crawlers!

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    Há alguns dias, anunciei aqui que estava trabalhando em um projeto de escrita. Uma série de contos no gênero  fantasia medieval, totalmente ligado ao maravilhoso mundo do RPG, especialmente D&D.
    Bem, o projeto está caminhando bem, e já ganhou um título provisório: Crawlers!  (rastejadores em inglês)
    O primeiro conto já está escrito, e será publicado muito em breve. Ainda não defini a periodicidade da série, mas deve ficar em torno de dois a quatro contos por mês.
    Agora, sem mais delongas, uma rápida sinopse da série e seu mundo medieval. Em breve, além do conto em si, mais material.


Crawlers!


          O grande continente de Ereb é um local fragmentado e cheio de problemas. Dividido territorialmente entre reinos independentes, ecologicamente entre ambientes e climas variados, culturalmente entre religiões dedicadas a deuses diversos e socialmente entre estamentos, poucas coisas mantêm nessa terra algum tipo de unidade, algo que a diferencie dos continentes a leste e sul. Talvez a mais importante seja sua origem.
          Todas as terras ocidentais foram outrora unidas por um gigantesco Império. Seus habitantes são tidos como uma civilização muito mais avançada que a atual, seja tecnologicamente, politicamente, socialmente ou culturalmente. Ainda assim, por algum motivo que se perdeu entre as brumas do tempo, tal avançado império entrou em crise e ruiu. As novas civilizações foram construídas sobre suas ruínas, mas ainda existem muitos mistérios ocultos sob a terra.
          Poucas coisas sobreviveram do Império Antigo além de suas construções de pedra. A principal, o cerne da cultura deles, foi parcialmente decifrada, mas é tratada pelos Erebianos como dois aspectos diferentes. O Arcano e a Religião.
          Os Erebianos cultuam uma enorme variedade de deuses, desde divindades maiores, com cultos hierarquizados e templos espalhados por diversos reinos, até entidades menores, cultuadas em apenas um reino, cidade, vila ou bosque. Uma das igrejas mais poderosas, com representantes em todos os reinos, é a de Lucernus. Os imperiais eram monoteístas, portanto Lucernus, o Senhor das Luzes, era sua única divindade. Contudo, o culto atual dos Erebianos não passa de um eco apagado da religião antiga.
          A outra prática imperial que foi descoberta pelas civilizações posteriores foi o Arcano, a Magia. Diversos povos primitivos, tanto de Ereb como dos demais continentes, descobriram como manipular a energia ou força oculta que rege o mundo, dobrando-a segundo sua vontade. Mas os imperiais foram mais além. Criaram um método padronizado, uma mistura de arte e ciência, que os permitiu controlar a energia primordial em uma escala sem precedentes. Este método mistura runas, gestos e palavras recitadas no Idioma Místico (que não se sabe se foi criado ou descoberto pelo império), e o que sobreviveu dele é a base usada pelos magos erebianos.
          Mas existe algo mais que une todos os reinos, além de sua origem. Uma atividade não encaixada em nenhum estamento, que ocupa um lugar especial em meio a camponeses, artesãos, comerciantes e guerreiros. A atividade de aventureiro. Também conhecidos por outros termos como exploradores ou rastejadores, estes profissionais livres não estão atados à terra como a maioria dos demais. Viajam de cidade em cidade, de reino em reino, enfrentando monstros, bandidos, milícias e outros perigos em troca de algumas moedas de ouro. Envolvem qualquer tipo de pessoa (de guerreiros a magos, de clérigos a ladrões) e atuam em missões das mais variadas, desde escoltar caravanas de comerciantes até procurar tesouros em antigas construções imperiais soterradas.
          Esta é a história de apenas mais um destes grupos de aventureiros. Um grupo que (como todos os outros) começou fraco e modesto, mas que (como poucos, muito poucos) sobreviveu e acabou se tornando grande e poderoso. Este pequeno grupo surgiu na cidade portuária de Avisle, no reino de Lusitens, mas conquistou seu lugar em canções de bardos tocadas através de todo o continente.



 Imagem (meramente ilustrativa) por Sayaka Ouhito

Novo projeto

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    Como não deve ser difícil notar, já não publico nada aqui a um booooooom tempo. Não que eu tenha desistido do meu sonho de me tornar escritor. Estava apenas aproveitando esse tempo para ler mais, aprender coisas novas, acumular mais sabedorias e começar projetos de longo prazo.
    Mas, assim como mudam constantemente as marés, as fases da lua e os penteados das atrizes de hollywood, as fazes de nossa vida e, consequentemente, de nossa arte também mudam.
    De onde vem o anúncio de que começarei por agora um novo projeto de escrita. A idéia por trás do projeto é de uma história de fantasia medieval em formato seriado. Serão aventuras fechadas com uma veia completamente RPGística, além de uma orientação meio humorística.
    Se tudo correr conforme planejado, postarei aqui em breve uma sinopse com mais detalhes, seguida por informações básicas do grupo de protagonistas e, finalmente, a primeira aventura (ou episódio piloto). Se o feedback for positivo (se o episódio piloto for aprovado), dou continuação ao projeto.
    Por hora não tenho mais o que escrever sobre o assunto. Aguardem por mais notícias!

Conto #3: O Lago e o Universo

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Esse conto é, na verdade, uma pequena fábula escrita por mim em uma noite de insônia. Nela eu brinco com uma mistura de referências da filosofia oriental, como budismo (religião essa, entre todas as outras, que mais respeito e mais preceitos sigo), e referências filosóficas do filme O Rei Leão, uma das obras mais marcantes de minha infância. Espero que compreendam (não é difícil, sério) e gostem. ^^



Uma Era de Magia - O fim de Harry Potter?

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Começo aqui dizendo que isto não é uma crítica cinematográfica ou literária. Uma crítica normalmente exige certa imparcialidade e afastamento, a fim de tecer uma análise objetiva da obra em questão, que se aplique a qualquer espectador. É claro, isso é impossível. Mas um crítico ao menos tenta ser o mais imparcial que conseguir. Eu não consigo ser imparcial quando se trata de Harry Potter. Na verdade, eu nem quero tentar. Harry Potter fez parte da minha vida desde meus tenros oito anos de idade, quando um livro de 263 páginas ainda me parecia muito grande. Logo, nesse momento eu desço de meu falso patamar de crítico, de intelectual, para fazer um simples relato, como um simples fã.

Primeiramente, o que me motivou a escrever esse relato? Pela data em que ele foi escrito (16/07/2011), não é difícil adivinhar. A estréia, a tão esperada estréia de Harry Potter and the Deadly Hallows – Part 2. Meus ingressos (para mim e para minha namorada, claro) já previamente comprados há semanas, me dirigi ao cinema, para esperar algumas (duas) horas na fila e pegar lugares decentes. Fila em estréia já é uma atração à parte. Um monte de gente fantasiada de bruxo, um Voldemort andando de um lado pro outro, aquele clima, aquela ansiedade. Aquele cansaço nas pernas por ficar tanto tempo em pé. Uma coisa linda. Já faltando pouco menos de meia hora para nossa sessão, saem os espectadores da sessão anterior. Bandos de adolescentes saltitando com enormes sorrisos nos rostos, garotas chorando de emoção, tudo servindo pra nos deixar AINDA MAIS ansiosos. E aqui, na parte em que as portas da maravilhosa sala 6 se abrem, eu vou fazer um corte. Vamos deixar o final para depois, e voltar agora para aquele agora distante ano de 2001.

O que aconteceu em 2001? Uma porrada de coisas, com certeza. Mas, em relação a este texto, uma coisa em específico aconteceu. A estréia de Harry Potter and the Philosopher’s Stone, dirigido por Chris Columbus. Alguns já conheciam Harry Potter antes disso (o livro é de 1997). Confesso que eu não. Assisti no cinema e, como qualquer criança de oito anos com algum juízo na cabeça, fiquei fissurado. Alguém então chegou e me disse algo como “Ah, Harry Potter? Isso é baseado em um livro.” “Então EU QUERO LEEEERRR!!!” foi o que eu bradei em seguida (eu acho. Pra falar a verdade, não faço idéia, mas deve ter sido). E aí começou tudo...

Decidi ler todos os livros. É claro, naquela época só haviam sido lançados até o quarto, Harry Potter e o Cálice de Fogo. Li os quatro antes da estréia do próximo filme, Harry Potter and the Chamber of Secrets, no ano seguinte, em 2002. Então reli. E reli de novo. Nunca cansei de reler nenhum livro do Harry Potter, e acho que nunca vou cansar. No auge de minha pottermanía, assisti ao segundo filme na estréia (o único dos oito, além do último, que eu assisti na estréia). Quando vazou o primeiro capítulo do quinto livro (Harry Potter e a Ordem da Fênix) na internet, fiz questão de baixar, imprimir e carregar para todos os lados, lendo dezenas de vezes até que o livro propriamente dito viesse parar, traduzido, em nossas livrarias. Quando veio, fiz fila pra comprar.

Sempre fui um cara dos livros. Após o segundo, nenhum filme mais me agradou (até o sétimo, parte 1). Ainda assim, nunca deixei de assistir nenhum deles no cinema e no primeiro fim de semana. Eu ia, assistia, me decepcionava um pouco e voltava para casa, ainda assim extremamente empolgado. Mas os livros é que eram a atração de verdade. A propósito, fã de Harry Potter que não leu os livros, só viu os filmes, não é fã de verdade. E foda-se quem discordar.

O lançamento de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o livro, foi um evento. Tem gente se desesperando agora que o último filme foi lançado; bem, pra mim o final veio com o último livro. O lançamento desse filme é um fim postergado. Estava tão ansioso para ler este último livro que não esperei a tradução oficial. Assim que ele vazou na internet, ainda em inglês, peguei e comecei a ler. Meu inglês não era tão bom ainda, então apanhei bastante e mal passei do início antes de ser lançada aquela infame tradução não-oficial e cheia de erros. Li ela inteira. E reli. Podem imaginar minha sensação de desespero? ACABOU, eu falava pra mim mesmo. ACABOU...

Agora, o fim postergado. Já tinha há muito perdido minhas esperanças de ver um filme de Harry Potter que fizesse jus aos livros. Não que fosse tão bom quanto, porque livros são sempre mais completos. Mas que fosse digno. Por vários motivos, que não vou explicar aqui (como o Dumbledore alucinado e as falhas enormes de roteiro), eles não conseguiam ser dignos. Isso até Harry Potter and the Deadly Hallows – Part 1. Eu tinha CERTEZA de que esse filme seria ruim. “Não trocaram o diretor”, “Não vão conseguir adaptar essa trama mais complexa...” era o que eu falava. Quando veio a notícia de que o livro seria adaptado para dois filmes, comecei a ter esperanças. Mas muito poucas. Quando vi o primeiro trailer essa esperança cresceu, mas não chegou a me dominar. Acho que eu estava com receio de ter muitas esperanças e acabar me decepcionando.

Lá fui eu assistir o filme. E minha cabeça explodiu. “O FILME É BOM!” Por quanto tempo eu esperei para poder sair da sala de cinema falando isso? Por quanto tempo esperei para sair da sala cinema com um sorriso de orelha a orelha, sentindo que o livro foi honrado? Por que esse filme foi bom? Muita coisa. Maior carga dramática. Ação mais realista. Atuações espetaculares. Roteiro bem adaptado e funcionando todo em sintonia. Mas, o principal: PORQUE ELE RESPEITOU O LIVRO. Ele respeitou os fãs. Ele respeitou a mim. Respeitou você. Não, eles não filmaram exatamente como é o livro, e eu nem queria que fizessem isso. Nunca quis. Eu só queria um pouco de respeito, e consegui. Pela primeira vez, me pareceu que os envolvidos no projeto leram de fato o livro, olharam uns pros outros e falaram “OK gente, esse pessoal lê isso a mais de dez anos, desde criança. Vamos fazer um filme para eles.” E o filme foi pra nós. Saí do cinema realizado, e, o mais importante (pra eles, que querem nosso dinheirinho), contando os dias para a parte 2.

Certo, ta na hora agora de falar da parte 2, né? Por onde eu começo? Já mencionei anteriormente que fui ver na estréia, com ingressos comprados com duas semanas de antecedência. Como é a experiência de uma estréia tão significativa? Impossível descrever. Uma emoção, uma correria, uma ansiedade. Duzentas pessoas dentro de uma sala, todas pensando a mesma coisa, todas esperando a mesma coisa, muitas delas rindo ou chorando nervosamente de expectativa. Pessoas que olhavam em volta e se viam entre fãs como elas, entre amigos desconhecidos. Uma pequena encenação de duelo de bruxos, e então o projetor é ligado e todos se sentam. Os dez ou quinze minutos de comerciais e trailers pareceram se arrastar por dez ou quinze horas. E então, após o último trailer, apagam-se as luzes e aquela música, tão familiar a nossos ouvidos, começa a tocar. E aquele logo da Warner Bros, imenso, surge na tela, se aproximando, anunciando o começo do fim.

E então, o filme é bom? É, CARALHO! MUITO! É claro, ele é melhor ainda quando se assiste na estréia, mas  por si só já é ótimo. Supera a parte 1, e talvez todos os outros juntos. Não vou comentar nada sobre o enredo do filme, mas vou falar algo sobre a experiência do filme. E foi uma experiência excepcional. As atuações estavam assombrosas, com destaque para Helena Bonham Carter (Belatriz Lestrange) e Allan Rickman (Severus Snape). Os toques de comédia pontuavam todo o filme, vários deles uns presentes especiais para os fãs. Em termos de ação, a batalha final em Hogwarts é espetacular e épica, causa uma tensão que chega superar em muito essa sequência no livro. Todos os personagens aparecem, quase como que se despedindo de nós. O Neville, por exemplo, rouba a cena a todo tempo; nunca vi um personagem evoluir tanto. Foi uma perfeita demonstração de o que seria uma invasão a uma fortaleza bruxa. Não só grandiosa, mas assustadora como toda guerra.

O drama foi algo à parte. Uma sequência em especial, que envolve Snape, mas que não entrarei em mais detalhes, trouxe lágrimas aos olhos de pelo menos uns 70% da sala. Confesso que nem eu agüentei. As mortes (que quem leu os livros sabe de quem são) foram um baque violento. A própria Hogwarts, com paredes explodidas, telhados pegando fogo e corpos espalhados em volta foi algo duro de ser visto na telona. O filme termina belíssimo, com aquela promessa de paz a quem sobreviveu para ver uma nova era.

Pra terminar, por que Harry Potter é tão importante? Porque escrever um texto tão grande sobre isso? Por que esperar horas na fila? Por que reler tantas vezes? Por que tudo isso? Eu vos digo o porquê. Porque Harry Potter surgiu para nos levar (de trem) para o maravilhoso e ilimitado mundo da leitura, do cinema e da imaginação. Como Dumbledore diz, uma das maiores formas de magia reside na palavra. Eu diria que outra é a imaginação. E Harry Potter trouxe ambas para nós. Criou toda uma geração de leitores, de imaginadores, de sonhadores. De mágicos. Se hoje eu gosto tanto de ler e de escrever, e se hoje meu sonho é me tornar um escritor, podem apostar que Harry Potter é um dos maiores motivos. Se eu algum dia conseguir realizar meu sonho de me tornar um escritor de sucesso, não apenas sucesso financeiro e fama, mas uma total realização como pessoa, direi que é porque, com oito anos de idade, resolvi encarar aquelas 263 páginas. E não me arrependi. Harry Potter me ensinou a encontrar minha coragem interior, a lidar com minhas responsabilidades. Ensinou-me a importância da amizade, do amor e da imaginação. Ensinou-me a jamais parar de ler e de sonhar. Por tudo isso, eu só agradeço. E por tudo isso, Harry Potter jamais morrerá para nós.

Finite Scriptum.